quarta-feira, 17 de dezembro de 2014


* imagem retirada da net


Os teus dedos desvendem caminhos antigos,
podando ramos inúteis,
quebrando vozes surdas.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014





Tropeções na elipse do tempo,
as rodas dentadas sem permissão continuam a ser alimentadas.
Vem o fogo, vem a água,
vêm todos os elementos tentando apaziguar os lestos pensamentos.



sexta-feira, 21 de novembro de 2014


[Kandinsky]



Salta o muro, salta o cerco,
corre colinas com alento.
Vai de vento, vai de vento,
vai de tempo em tempo.
Tem depressa de chegar,
entregar-se ao movimento.


terça-feira, 18 de novembro de 2014




Hoje respirei a manhã
sabendo que todas são diferentes entre si,
o abraço gélido fez-me despertar os sentidos
como se fosse a primeira vez.
Senti-me dentro de mim
e deixei-a navegar no meu sangue.






quinta-feira, 13 de novembro de 2014

[Dali] 




Tragam o corpo envelhecido,
tentam a essência dobrar.
Que se esconde em paredes esféricas,
solo no solo, reserva de ar,
espreitando lentamente,
ansiando o resgatar.
Feijão a feijão, a natureza a brincar.



sábado, 8 de novembro de 2014

Lentamente, lentamente queimando o ar.
Como uma vela. Persistente.
Sim, uma vela, dessas que nos dão ilusões,
nas sombras fantasmagóricas,
no odor da natureza longínqua,
no movimento mudo.
Ao sabor de uma brisa inexistente.




terça-feira, 4 de novembro de 2014


[Anna-Ancher]




Vai de vento, vai de bote
Vai sem que já suporte.
Vai desencantada perguntar à Deusa
Onde está o pote da clareza.


(vai tão pobre)



sexta-feira, 31 de outubro de 2014









Fala-me
Traz-me o sol pelas palavras
Sê o calor que já não sinto
Uma pintura renascentista
Num piquenique à beira de um lago
Com alegres raparigas a tagarelarem
Despreocupadas
Enquanto as águas brilham reflectindo
Ramos de frondosas árvores
Barcos passeando casais
Cheios de segredos escondidos
Onde mais ninguém tem acesso

Recorda-me
Melodias esquecidas
Em jogos de crianças
Nos terreiros banhados de luz
Em terra poeirenta
Das tardes quentes de verão
Onde passávamos as nossas férias
E acabávamos deitados na erva
A observar a verdade na noite

Apazigua-me
Com as imagens
De todas as luas que visitámos
Enquanto nos descobríamos
Nas noites quentes da nossa adolescência
Procurando a verdade
Encontrando sempre a mentira

Não me fales
Deste novo som de agora
Complexo demais
Para as simples cantilenas antigas

Das palavras ásperas que aprendemos
Que não existiam na
Fantástica meninice
Onde corríamos com a brisa

As imagens que retiramos
Do quotidiano que não conseguimos
Perceber para onde foi
A antiga pintura

Teresa Durães

in "“Entre o Sono e o Sonho - Vol III - Antologia de Poesia”

terça-feira, 28 de outubro de 2014



"São hienas, são abutres esperando a nossa vacilação para que caiam em cima. São objectos que se dizem seres humanos que não entendo. Esses, esses à minha volta. Os outros, os que pretendem humilhar e espezinhar. Que raiva terão? Porque em vez de unirmo-nos vamos de encontrões uns contra os outros, cada um tentando cair na graça desses ditadores que não deixaram de existir. E lutam, lutam entre si esperando trepar no próximo e garantir o seu espaço no céu. Que céu? O financeiro, o do mundo do trabalho?

Acabou-se a camaradagem, somos lutadores de sumo tentando ganhar a medalha final que não sei qual é. Pregam as mãos dos que apanham às cruzes espalhadas por todo o lado. Hostilidade, desolação, acabaram-se os poemas e passo a escrever a sangue nas paredes. Não sei onde estou nem tão pouco consigo entender o que se passa à minha volta.


Começam. As cores nos pulsos, os movimentos circulares, as noites agarradas às paredes brancas que nada reflectem. Não sei o que quero nem em que acredito. Borra-se o futuro de que tantos falam e anseiam, aquele passo fundamental que nos levará ao mais misterioso dos lugares. Sou trabalhadora, sou jovem, estou velha. Quem grita? Não há marchas nem fogueiras, há gente louca que ocupa os lugares à minha volta. Ou terei enlouquecido? Por onde se perderam os fragmentos de vida?"

in "Recortes de um país moribundo", Teresa Durães 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014






Sábado passado, um bicho, sem ser convidado, entrou para dentro de mim. O insolente ainda teve o descaramento de se desmultiplicar e tudo atacar. Eram dores de costas, suores frios, a cama transformou-se em água benta. Hoje decidi que era hora de expulsá-lo, a ele e à sua prole. Urgências, pulseiras de cor, raio-x e trapalhadas. Comprimidinho debaixo da língua, o soro que caía irritantemente enquanto o meu nariz torcia-se debaixo de uma máscara. Um broncodilatador, disseram-me. E eu só queria um cigarro.





terça-feira, 7 de outubro de 2014






Salto no espaço, o vazio como abraço,
palavras atiradas ao acaso.
 O corpo cansado dos gestos repetitivos,
venham afagos, venham desígnios.
 
 


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Ao meu filho

Uma pessoa muito especial de quem tenho tantas saudades



 


sábado, 13 de setembro de 2014


[Almada Negreiros]





Tentei ver-te no céu. Talvez por culpa das nuvens ou por o teres abandonado, fiquei na noite densa, dessas onde todos os nossos segredos são revelados em instantes inquietos. Ridículas palavras estas, a lamentar o que não tenho nem devo nem posso. Sou uma mulher, não sou? Nestes enredos de palavras porque não sei falar, abandonei-me num rio qualquer que desaguava por ali. Secamente. Procuro-me? Que doidice, tão gerada onde o nada resigna-se. Cuspo tolices, entrego-me ao acaso, venham espadas, venham floris, estou desguardada.





sexta-feira, 12 de setembro de 2014



[Paula Rego]



Ouve os sons na ausência da percepção.
Será o teu corpo o palco de todas as tentativas,
destruirão o resto do tempo arrastado,
pétalas do teu cabelo cairão entre os dedos.
Queres descansar desistir  flutuar.
Silhueta desgastada e esgotada.



quarta-feira, 27 de agosto de 2014





Cai o pó que encobre o espírito,
abrem os olhos em fome devoradora,
solto, plano, integro-me, doces estrelas onde me reflicto,
abraço eterno no mistério do espírito.
Sou pássaro, sou voo,
quero resgatar o eterno.


domingo, 3 de agosto de 2014








Recorda-me a tua cara para que saiba sorrir,
és um pássaro, um cantar distante?
És a minha alma expandida onde não te encontro,
as minhas mãos que te escrevem,
a solidão da estação,
o propósito das noites quentes.

Sentes-me? Sinto-te?
Um longo frio da distante ravina,
amealhar de vazios em olhos dormentes,
colecção de ausências da minha tristeza,
onde estás desde que te afastaste?

Sim, choro em violência reprimida,
continuamente pela sombra desaparecida,
o calor derretido em brasas quentes.

Foste. Foste e não posso quebrar o tempo como o enredo.
Sento-me desamparada em braços da montanha,
engolida por cavernas de desertos longínquos.