sábado, 29 de junho de 2019

[Futura exploração de lítio na serra de Arga]

Sei, escrevo, vivo, respiro, o mundo inunda-se de cores e quero viajar nas fotografias, no irreal que me rodeia. Tens medo do presente, dizem, tenho medo da crueldade, respondo, há mais além, além de todas as notícias, de toda a ignorância, além onde as águias-reais voam, onde os falcões tentam resistir e os lobos ibéricos fogem dos caçadores. Temos castanheiros, temos teixos em extinção, temos árvores para viver, temos tudo para sermos felizes. Não, digam não ao trago da terra, digam não à civilização destruidora, neguem o dinheiro fácil, ao ouro branco, porque somos pequenos, mas a serpente vive entre nós.

Não, digam não, deixem-me respirar, deixem-me viver.

sábado, 22 de junho de 2019

diz-me tu, o que é o amor?







Não te digo que para além dos muros não existam prados, não os saltei, permaneci neste sofá fumando calmamente enquanto percorri as pinturas das paredes que contam todas as histórias que escrevi. Continuas a não estar, mas já foste desenhada num padrão que reconheço.
Viste um retrato meu desbotado e por ela apaixonaste-te. Percebo-te, corri pelas ruas, gritei poemas de José Régio e cantei Xutos e Pontapés como outrora o fazíamos. Mas isso era antes, antes das vozes me cansarem e os olhos estarem gastos de histórias mil vezes pintadas.
Olho através da janela, lá fora as oliveiras estão carregadas. Outrora não teria reparado nisso, essa, a do retrato. Não, não me olhes assim só porque sei que os grifos existem e a plumagem é castanha. Queres que voe daqui, para lá, para um mundo que nada me diz. Digo-te que não, esse amor de que falas não me chega para voltar a uma luta onde já perdi. Encontrei o meu caminho no trilho das ervas, nos ramos retorcidos das oliveiras que estão carregadas e não sei o que faça quando as azeitonas estiverem maduras, eu mulher da cidade.
Gostava de amar dessa maneira, tal sofreguidão que largaria tudo só para te seguir. Mas não, chamam-me os gatos e os cães, tudo o que sei sobre natureza, mas tenho a certeza de que subirei a montanha ladeada das minhas cadelas. 

“diz-me tu, o que é o amor?”. Teresa Durães


domingo, 16 de junho de 2019



Enquanto deambulo no meu computador, enquanto ouço música, enquanto escrevo, enquanto vejo fotografias e histórias dos outros, entranha-se uma loucura de querer mais, viajar pela arte e alcançar o estado de amor profundo pelo mundo, pela humanidade. Não, não somos só cruéis, não somos só destruidores dum planeta que quer sobreviver e vai nos matar por estarmos a mais. A arte ficará imersa nas águas, mas soará em todo o universo, uma estrela que nunca se apagará, uma galáxia que se foi construindo e será infinita.
Sim, sonho, vibro e vivo isso que é a criação do Homem porque é tão bela como a que os Deuses fizeram.

sexta-feira, 14 de junho de 2019

            Os meus avós fizeram mais de cinquenta anos de casados e foram apaixonados até ao fim das suas vidas, nunca vi um amor assim.
Não consigo deixar de ver a vida moderna, mal ou bem, como algo que esmigalhada tudo em volta, incluindo o amor. Há muitos tipos de amor, os que vencem, os que perdem. O dos meus avós, outros tão intensos que vão além da paixão, mas vivem num espaço curto tempo. Outros, aqueles que foram abandonados porque sim, sem uma palavra. Ou simplesmente espíritos que não se tocam.
            Sou divorciada, mas tive a sorte de amar, amar profundamente, para além de tudo, para além do além. Entre contos e histórias, algumas publicadas aqui, algumas rebuscadas no baú que se chama pastas do computador, deixo-vos mais um livro gratuito, basta fazer o download, "diz-me tu, o que é o amor? "




domingo, 9 de junho de 2019


[Chagall]

Numa manhã fresca igual a tantas outras, um dia de primavera de sol ténue e gente calma, enquanto um barco de vela enfunada cortava o rio uma mulher sentou-se na amurada, rosto distraído, mãos no colo pousadas. Não sabia se se sentia desamparada ou a falta da presença dele. Os movimentos do corpo foram cortados quando falou de outra. Talvez soubesse quando as mãos deixaram de ser ansiosas e os olhos tornaram-se vagos, mas tinham jurado amor numa juventude fugidia.
Fora um acaso, dissera-lhe, e acreditara, notara nas mãos, no rosto tão bem conhecido e que já não era seu. Continuava a amá-lo por isso dizia-lhe adeus junto ao rio, uma despedida silenciosa, a sós, porque a sós ficaria.


[Cezanne]
Chovem flores soterrando a relva de diversas cores. Os transeuntes olham, atónitos, os automóveis param e os condutores saem assombrados. São milhentas as pétalas que se desprendem formando uma cortina macia, não há nada no céu que anuncie acontecimento tão insólito, mas chove, chove mansamente.
Não se sabe se foi o vento que as trouxe arrancando-as de um campo qualquer, ou um desígnio inexplicável. Mas o certo é que já não há recanto do chão que não seja um manto de cores, o cinzento do alcatrão desapareceu e a chuva inaudita continua mostrando na sua glória a vontade suprema da natureza.

sábado, 8 de junho de 2019


[Munch]

Trago os dias em caixinhas coloridas para repousar o cansaço. O sol fraco a aquecer os braços, a brisa roça a face e tantas histórias a empacotar.
Olhaste-me pedindo respostas que não conseguia dar. Disseste-me que me amavas e que não compreendias porque me afastava. Olhei para o horizonte, para o mundo onde as vozes estão caladas e as ruas não existem, além de toda esta demência. Sei que nada tens a ver com a culpa do Homem ou com a minha loucura, só procuro aquele bosque onde consiga passear e sentar-me numa pedra para sentir a vida, não esta loucura. Posso imaginá-lo, posso encontrá-lo, mas tenho de ir para a terra do silêncio, para onde os pensamentos correm livres, chegar a casa por fim.
Não te disse, fiquei silenciosa e esperei as palavras amargas onde tinhas rasão. Eu queria, sabias? Queria saber amar, poder estar nesta terra e assentar, chama-me o vento e não consigo descansar enquanto não for, diz-me que estou mesmo louca, talvez estejas certa, mas não consigo ficar.

sexta-feira, 7 de junho de 2019



Cheguei a casa, um daqueles dias ondes as horas más foram estendidas. Procurei o teu sorriso, era tudo o que queria na solidão que sentia, mas encontrei-te zangada como se as horas fossem minhas e as tivesse vendido por aí. Procurei nos bolsos respostas para o absurdo que não compreendia, a porta da saída atrás de mim.
            Saí, saí para a noite desagradável como companhia, nem as estrelas via escondidas pelas nuvens. Não me sentia zangada ou incompreendida, estava numa estranha paz. Talvez o amor não seja nada do que é dito, talvez não passe de um vago momento de tão curto na nossa existência que nos esquecemos do arrebatamento inicial, do momento que de tão fugaz se conjuga no passado. 
O vento estava frio, sentia-me cansada e não queria ir para casa. Continuei a caminhar na rua deserta. Talvez a solidão fosse a resposta. Só com as corujas da chaminé da casa, só com os meus silêncios porque não, não queria amar.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

[David Wiles]

Gravo as palavras momentaneamente, depois desaparecem como se não tivesse um local onde as arrumar. Neste dia-a-dia, no turbilhão de passageiros onde estou inserida, não sei se te sinto, se me movo. Correm rios de esperanças e sinto-me perdida.
            Fazes-me falta e não te digo. As palavras enrolam-se e nenhum momento se proporciona às diversas emoções. Dizes-me alheia, talvez nas minhas divagações o seja, mas nem todas as palavras são para ti. A espera. As curvas. As exigências. As fantasias onde as fadas habitam. As estrelas iluminam o meu caminho e sigo-lhes o rasto sempre com esperança, longa a estrada, longa a espera dos dias quentes.
Digo-te, passam as nuvens cheias de formas, dizes-me, anda, vem para ao pé de mim. Quero ver as águias-reais, o olhar negro de um corvo que traz mensagens para além do além e tu queres-me aí, pés na estrada negra em direção aos caminhos mil vezes calcorreados.
Não sei onde nos encontrámos, por aí certamente ao acaso. Não te posso falar de amor, tanto que queria, mas não posso mesmo. Sei que não saio daqui, mil vezes mo disseste, talvez não passe de um sonho por acabar. Mas não estás nele, não trilhas bosques, não vês além as cores das folhas a mudarem como por magia nem reparas nas rochas lisas pelo tempo.
Dizes-me, onde estás, por onde andas que ninguém te vê, vem, vem ao meu encontro.
            Não, não sei o que é amor.

segunda-feira, 3 de junho de 2019


[Paula Rego]

Chegaste ao pé de mim e falaste na cor das tulipas, quiseste arrancar uma, mas dei um passo atrás e recusei. O que é da terra, à terra pertence, tu sabias disso, mas a sofreguidão pela beleza devorava os teus olhos.
Sentei-me na erva à espera não sabia do quê, esperar é tudo o que não suporto, mas esperei, agarrei os dedos até ficarem brancos e balancei o corpo até me acalmar.
O pôr-do-sol veio por fim, com ele as carriças soaram o seu canto final. Esperei e nada aconteceu, levantei-me e fui para casa. Talvez te quisesse comigo com a tulipa arrancada, fingiria que não era nada, pediria um abraço apenas para esquecer tanta tristeza acumulada. Não, isto não é amor, antes solidão.