sábado, 23 de junho de 2018

O sol aquecia quando te procurei nas ondas. Sei que estarias lá envolvendo-me no primeiro mergulho do ano. O sal na boca, a dormência no corpo e tu, tu, ao meu lado aquecendo palavras num sopro profundo. Tu, sempre ali, mostrando-me movimentos que atingem a lua em dias de luz.

E dei-te a mão, estendi-ta em rendição.


Hoje soprou vento do sul. Sabes que amanhã irá chover. As folhas dos carvalhos sorverão a água que escorrerá e alimentará as raízes.

Também sabes que a chuva não esconderá as lágrimas reprimidas.

Ontem quis ser sol, calor, brilho. Nunca gostei de ter olhos fixos em mim mas levantei os braços e agradeci a minha vida.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A sala caiada. A noite, coberta. Não estavas lá - era o tempo para mim. Uma harmónica preenchia o vazio das paredes. As paredes, grossas e antigas. A ausência de flores como se não existisse lugares bravios.

Vivi acordes nunca antes experimentados tendo sempre a esperança que de longe me tivesses ouvido. Preenchi as paredes, pintei o caminho para mim e desejei que as estrelas iluminassem o estreito carreiro entre nós.


Sei que as tuas palavras eram para serem um bálsamo. Não foram, foram atiradas para o vento que não alcanço. Tolhi o corpo sentindo-me atraiçoada. Todos os invernos diluíram no mar para serem esquecidos.

Tanto tempo que te vivi.

Hoje tenho uma vela que não acendo. Restam-me recordações que deslizam nos meus dedos sem querer recordar.
Tantas as noites em que estivemos sós, perdurando confidências e carícias. As estrelas iluminavam-nos tornando a noite quente um refúgio para os sentidos. Estendemos o carinho pela a areia branca onde nos sentávamos. Vi o céu, conheci o amor, ouvi o mar e soube que a espuma branca apagava os nossos passos na areia. Eras um refúgio onde descansei.


Ontem vi-te após tantos anos. Sei que procuravas na minha expressão toda a comunhão que tivemos. Contudo, como poderia estender a mão tal ramo que procura o sol? Os meus dedos não são galhos, o meu corpo, tronco. E a minha vida deixou de ser natureza.


Recordas-te da minha infância? Eras a voz da minha imaginação como se fosse possível amar-te sem te encontrar. Cresci vendo-te desenhado nos cadernos de capa preta onde os meus mistérios repousavam. Mais tarde rasguei-os em fúria, arrebatando esses anos longínquos. Queria ser livre, precisava de matar o passado.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Foram intensos os dias que passamos juntos, tu, a brisa, eu, um caule desprotegido. Mas amamo-nos, vivemo-nos como se fosse possível parar o tempo. Mas envelheci, a crença de outrora vacilou com o novo mar que a costa desconhece. Fosses o meu semi-deus poderíamos prolongar os dias, estendê-los numa suave areia. Porque a minha humanidade não consegue te reter.

Sei de um dia em que o brilho do sol se projetará no mar de verão e tu recordarás as minhas mãos.
Consegui pegar na tua mão. Não te sei dizer como tive coragem. Segurei-a até perder a razão de a reter.

Em ti crescem flores, estendem-se ramos e no teu abraço encontro as melodias a crescerem.

in "O sopro", Teresa Durães
Conheci-te criança. Ombros fortes, olhos castanhos, cabelo rebelde. Ficaste nos livros de infância, rascunhos em voz destemida. E cresci.

Renasci entre as árvores de Sintra, escalei pedras imutáveis e encontrei-te de novo.

Foste porto de encontro, água macia, fogo quente. E vivi-te intensamente.

in "O sopro", Teresa Durães
Hoje soprei-te flores silvestres, odor a maré baixa, casca roubada a um tronco de árvore. E tu vieste, vieste como sempre te vi. Olhos escuros, capa a cobrir-te o rosto.

Hoje quis-te aqui, construí um círculo em volta das flores e esperei.

in "O sopro", Teresa Durães



segunda-feira, 11 de junho de 2018

Ouço o vento e sei onde quero estar. Ao longe o mar revela a sua fúria, há humidade por todo o lado. Há presença, palavras firmes de uma fé antiga.

Não existe força maior do que o apelo ao nosso fado. Onde guitarras soltam acordes de saudade.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Um dia anunciaste a tua vinda: preparei o jantar como se fosse mais um dia na nossa vida.
"Não reconheceste o voo da águia, fugiste, por onde andas?

Voltei a sonhar furiosamente: o ar carregado de sal, as ondas impediosas, o vento a gritar.

"Não serei uma onda perdida na margem de uma praia qualquer. Soprarei para longe a espuma das águas revoltas,

quinta-feira, 7 de junho de 2018

-Quem és? - nunca respondeste. Sorrias como se as flores silvestre que me deste fossem todas as respostas. Liberdade, diziam os teus olhos. Um voo alto. Um sopro primaveril. A música das folhas de um castanheiro, quando a brisa acaricia a copa.

in "O sopro", Teresa Durães

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Não era tarde quando te encontrei. As flores selvagens persistiam em adocicar o ar. Estávamos somente os dois. Nós e as árvores centenárias. E fontes de energia no ar.
-  Quem és?
Não houve resposta.

"- Dá cá a chave!
- Dá-me a chave se faz favor - e o gigante de pedra abriu a mão e deu-lhe a chave"

Outrora confiava, disse-te. Outrora era outra, mão dada com a fantasia.

- Posso ter a chave?

in "O sopro", Teresa Durães

sábado, 2 de junho de 2018

Abraço-te intensamente. A noite está no seu término, em breve serás apenas uma recordação. Deito-me espreitando o teto. Talvez já tenha vivido muitas vidas diferentes e chegou a hora de vestir uma pele. Talvez continue desapegada. Talvez os meus passos já tenham escolhido caminho na direção de um novo vento.

in "O sopro", Teresa Durães