domingo, 28 de junho de 2020


Que a noite não acabe,
Que não me digam que não pode ser assim,
Que a lua suba no céu
E eu a vê-la e a vê-los todos,
Os amigos, os problemas.

quinta-feira, 25 de junho de 2020






Hoje não houve fantasia, hoje não houve flores e campo e árvores. Entreguei-me, vivi e sofri, mas vivendo e sofrendo faz parte da vida. Nego a minha existência e peço por outra que me é negada. Correm rios, abraço florestas e o que me sobra são as minhas mãos que já nem sabem o que fazem. Soubessem teriam evitado as correntes, mas não, insistem em novas imagens. No fim sobra um corpo cansado, estafado e não concluído.


É tarde, tão tarde que a minha licença de vida já acabou. Ignoro-a como tudo o que é inútil: o sonho, a inconsciência, a espera. Ignoro todos os sinais da noite para escrever mais uma linha, uma linha que sairá cara do meu corpo. Mas se não fossem as transgressões o que faria aqui? Por isso deambulo entre personagens e continuo acordada e não entendo porque sou diferente.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

"- Quem és tu? – Perguntei na defensiva. – Estavas a espiar-me? És amigo do Lorii e vieste atrás de mim?
O rapaz olhou-me nos olhos, uns belos olhos castanhos.
- O meu nome é Cutii e tu és a Pruma, não és?
- Sim, sou, filha de Frecha e Tandii do Castro do Planalto. Como sabes?
- Estás longe de casa. – Reparou o rapaz.
- Estou aqui no Castro do Vale como convidada. – Respondi com voz sumida.
Ele observou as mãos.
- Não é boa altura para estares aqui, sabias?
Enruguei a testa por aquela declaração sem sentido.
- És tão novo, como sabes dessas coisas e porque dizes isso?
Cutii suspirou e voltou a olhar-me.
- Sou mais velho do que tu pensas, talvez da tua idade. – Respondeu suavemente.
Sorri condescendendo.
- Não, não é possível.
- Ah! Ninguém te explicou nada, filha de Frecha e Tandii. – Respondeu Cutii amavelmente. – Só não entendo porquê."
Teresa Durães in "A maldição do rio", saga "Os castros", #4, ainda não disponível

sábado, 20 de junho de 2020

Uma Ave que veio parar a uma cidade
levada por uma corrente de vento amena
diferente
cedo caiu do ninho
não encontrou mais o caminho
sobreviveu porque aconteceu
perdeu-se no meio dos prédios
ruas e confusão.


Voou, voou, voou
entre fascinada e horrorizada
encantada e pasmada;
espreitou cantos e recantos
conheceu e aprendeu
afastou-se do que não gostou
piou contra o que lhe desagradou
sozinha cantou.

Apanhou uma brisa fresca
planou, planou, planou
avistou uma estátua e pousou.

Teresa Durães in "Do livro das aves, um breve conto"

sexta-feira, 19 de junho de 2020






Morreu hoje um grande romancista, Carlos Ruiz Zafón, espanhol, (Barcelona, 25 de setembro de 1964, 19 Junho 2020) vítima de cancro.


Deixou muitas histórias por escrever.


Mandei para um concurso um conto sobre pandemia, a minha. A minha não existiu, a dos meus filhos, sim, e forte, jovens adultos que querem viver e mudar o mundo. A minha foi ervas para arrancar, compreender o campo e seguir como se tudo estivesse bem. Agora saio para os mesmos sítios, mas está muito mais gente. Gente despreocupada, gente que não pensa, gente que convive porque precisa. Eu fico pelo telemóvel, mas imagino a ânsia dos jovens, os primeiros que pensarão de uma forma diferente sobre a vida. Não nós, os cinquentões, mais e menos, nós conformamo-nos dentro do possível.
E o vento voltou, a juventude voltou e namorou, testemunhou um caminho que já não se percorria há meses e voltou a beijar.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Hoje é dia de Portugal, mas eu acrescento mais símbolos, todas eles que deviam ser neste dia (e um sinal a ser obedecido com consciência).

Hoje é dia de Portugal, não temos chances de uma vida melhor, não temos chances de um emprego melhor ou uma segurança social melhor. Mas podemos ser cordiais como sempre fomos, há milénios, podemos ser o povo que somos sem misturar-se com outros, podemos ser o povo que distribui, que recebe com um sorriso. Por favor, Portugal, não mudes mais!

Hoje é dia de Portugal, é o meu dia? Porque não quero racismo, sexismo, violência doméstica, xenofobia, bulling no trabalho como sofri, nem tão pouco julgarem a sexualidade de cada um.

Dizem-me, hoje é dia de Portugal. É o meu dia como portuguesa ou apenas de um pedaço de terra com fronteiras? Porque se for o meu dia como portuguesa quero muito, quero que salvem este país das barbaridades como o lítio, quero bosques e não eucaliptais, quero lobos a circularem e terem de comer, os fogos matam tudo e nenhuma chama quero ver. Sim, este é o meu dia de Portugal, tanto poderia dizer, apenas isto agora.




LEONOR

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.
Luís de Camões


Tomara


Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
Vinicius de Moraes




Sim, enquanto sussurro-te,
enquanto encosto os meus lábios suavemente no teu pescoço
ouço-os a conspurcar
todos os nossos gestos,
- Beijavam-se desenfreadas
aquelas cabras com o cio. Putas!
Toco-te com gentileza,
tenho medo que desapareças
no meio de tanto ódio,
tenho medo do medo que tens.
Dizem, sois livres,
tendes o vosso arco-íris,
a vossa bandeira,
o casamento.
Não amor, dá-me a mão,
não chores,
não,
não passearemos de mão dada pela rua
nem apregoarás a nossa união.
Não teremos filhos, mas caminharemos
nas vielas secretas de todas as cidades
onde te poderei beijar, respirar e estar.



Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.
Nelson Mandela


"Vi chuva a cair e as árvores ficaram viçosas, vi água a escorrer e os rios engrossaram. Vi vida e a vida que escolhi. Podia ter sido o dia de ontem não fosse a chuva lembrar-me que a natureza tanto oferece.
Hoje vi uma esperança de amanhã. O que quero para além das minhas ervas, para além das minhas árvores, para além dos pássaros, da vida?
Agacho-me e apanho ervas, os fogos não tardarão e tenho de ter tudo limpo, necessito de arrancar flores belas e por elas choro. Mas poderão ser a morte de tanto e tenho de sacrificar uns pelos outros (...)"




  Hoje é dia de Portugal e eu apenas peço, salvem as espécies em extinção, fauna e flora. Não se esqueçam de nenhum deles, eles sobrevivem no limite por isso repito, salvem as espécies em extinção, fauna e flora.


 Abraço-te intensamente. A noite está no seu término, em breve serás apenas uma recordação.
Deito-me espreitando o teto. Talvez já tenha vivido muitas vidas diferentes e chegou a hora de vestir uma pele. Talvez continue desapegada.
Sei que te esperarei na próxima noite quando o mundo adormecer suavemente. Então, poderemos viver umas horas na confidência das estrelas, no segredo dos animais noturnos escondidos sob o luar, ténue luz guardadora das confidências dos amantes. Tenho tanto para te dizer e tão pouco tempo para partilhar. Queria-te comigo nos raios solares onde poderíamos correr descalços sobre a terra sentido o passado para além da História. Talvez nos encontrássemos num tempo anterior a todos os tempos, antes de todas as coisas, no tempo das espadas forjadas pelos Deuses, 7 espadas acima das colinas, 7 espadas acima dos vales. Agarraríamos as mãos numa dança louca, eu que não gosto de dançar, dançaríamos a dança estonteante das flores cantantes, dos sobreiros e castanheiros. E descansaríamos no cair da noite quando as corujas brancas se preparam para a caçada e lançam os seus gritos de predadores. Seríamos felizes.
Teresa Durães in "7 espadas acima"




Dizes-me que prossiga
não duvide de mim própria.
Há nas tuas palavras
a confiança desaparecida.
Tanto que quero a agarrar,
ensaio desejos,
procuro no vazio as palavras certas
para que a traga de volta

Tentarei o voo cumprindo
o planar sobre esse passado
que envolve o futuro.

Teresa Durães, in "A fadiga das ond



"Acordei sobressaltada sem saber o que estava a acontecer, era noite cerrada, a fogueira ardia alto. Telgio estava à porta do abrigo de tronco na mão a arder com Perdida ao lado a ladrar, à sua volta olhos amarelos no escuro, uivos e rosnadelas, lobos, uma alcateia.
Levantei-me assustada e fui até ao pé dele, a visão era aterradora, só via bocarras e dentes, dentes capazes de esmigalhar ossos só com uma dentada. Aquele que devia ser o líder era o maior de todos, o seu pelo era formidável, a sua cabeça enorme era uma mescla de castanho e preto apesar de ao redor da boca ter cor branco-sujo, o seu corpo era castanho com manchas pretas, longas pernas castanhas escuras, as orelhas triangulares relativamente pequenas, mas sabia que ouviam melhor do que os cães. Os olhos oblíquos, amarelados, ameaçadores.
Telgio tentava que se afastassem com o fogo, por vezes recuavam, por vezes os lobos avançavam, sempre querendo chegar perto de nós para sermos as vítimas nas suas bocas. Perdida ladrava, ladrava, querendo defendermos, mas ao pé deles não passava de um pequeno ser."

Teresa Durães, "O centro do guardião"


Não foi há muito tempo, a solidão tocou alguém e pensava que o ia salvar dela. Não quis ter uma conversa amena, só se queixava e não procurava árvores. Aliás, não procurava nada para além de uma loucura muito própria. Ouves? Não ouves? O que queres de mim? Da solidão desesperada tenho medo, seja a minha ou de outrem, mas as árvores continuam ao nosso redor, hoje vi andorinhas, domingo vi grifos e provavelmente amanhã verei de novo a minha amiga rã da fonte aqui quase em frente. Ela não sabe que gosto dela, esconde-se, mas sabê-la lá é dar vida à vida. Ouve-me, tu que não o fazes, viste a lua? Sentiste o vento? Porque neles estão todos os segredos.

Teresa Durães

(imagem da net)



A depressão tem cura, pode demorar, mas tem. Algumas acabam por ser crónicas e é necessário tomar medicamentos para o resto da vida para equilibrar. Mas, por favor, não baixem os braços e se não conseguem ultrapassar (depressão é uma doença do foro mental, como qualquer doença precisa de tratamento) peçam ajuda a um médico

terça-feira, 9 de junho de 2020






Lembras-te quando conheci? Dormias no carro, a garrafa de whisky a teu lado e era noite cerrada.
- Carlos? – Chamava o inglês com uma pronuncia estranha.
Acordaste só para dar cigarros e assim soube de ti, Carlos.
Eras estranho, nem sei em que sentido deveria dizer, passavas o tempo com palavras simuladas que eram para ti uma verdade religiosa e final. Do que dizias muito ouvi, em muito acreditei, em muito desiludi-me contigo, em muito deixei de acreditar na tua brisa.
Darias um livro, sabias? Um dia escrevi-o, mas deitei-o fora. Porque tu não te resumias às verdades verdadeiras, também quando te esquecias eras amigo quando a bebedeira não estava no auge.
Um dia morreste de cirrose e nem ao funeral fui, não me avisaram. Restas-me estas memórias e outras, no tempo em que acreditávamos que podíamos mudar o mundo, com ou sem whisky.

Teresa Durães

quinta-feira, 4 de junho de 2020



Era só uma pessoa, uma pessoa qualquer. Um dia perguntaram-lhe o que esperava para viver. Ela riu-se e viu a sua conexão à terra, nova no seu amor, a experimentar um mundo que parecia já não existir. Pelos dedos na terra castanha, pelo toque no caule, não, só conhecia um amor assim que se complementava com este. E ambos amava-os.

Teresa Durães

quarta-feira, 3 de junho de 2020

        Havia uma altura onde existiam dois castigos: os nossos e o dos objetos. Os objetos tinham tantos direitos quanto um ser-humano e por isso tinham os deveres do humanos. Ou quase. Eram trafulhas se de brinquedos falamos, impertinentes se ouvíssemos os tapetes e estes ainda faziam com que caíssemos se pudessem. Esta era uma pena grave.
          As pessoas não são de fiar, mas nem os objetos. Primeiro estes últimos irritavam-se por chamá-los de “objetos”: consideravam ofensivo pois tinham vida como tudo no mundo incluindo as pedras. Um dia chamei a um de “coisa”, uma cómoda, atirou-me com a sua perna de madeira e andei quinze dias a coxear. Claro, como os juízes não viram, esta não sofreu nada, apesar dos meus apelos no tribunal.
        - Não há provas. – Declararam mesmo tendo visto a nódoa negra na perna. – Qualquer um poderia ter feito isso ou mesmo a senhora caindo num sítio qualquer.
           E o processo foi fechado.
          Conheço as manhas da maioria: o colchão que se punha aos pulos para tentar atirar-me para o chão, nessa altura o tapete deslizava, caia e levantava-me para ir à casa de banho, mas nem aí: o espelho fazia caretas, a sanita resmungava, o lavatório ficava sujo de propósito.
          Até há pouco tempo nunca tinha visto uma manifestação das escadas, mas uma bela manhã tornaram-se invisíveis – o que seria uma grande pena, mas mais uma vez ninguém viu para além de mim. Fiquei aflita, como poderia descer para o r/c? Pensei friamente, fiz uma corda com os lençóis, desci e encontrei a janela que tinha sempre aberta. Estava por demais irritada, mas não podia fazer nada, sempre que um Humano dava um pontapé numa cadeira era atirado para a prisão por dois anos e para os objetos tinham sempre uma desculpa.

segunda-feira, 1 de junho de 2020





Fogem, fogem, mas não sabem para onde. Tudo são planícies por desbravar, um mundo diferente por descobrir. Morrem as correntes que moveram políticos, cortam-se amarras dos movimentos, tudo está diferente e, contudo, ninguém o presencia.
Formaram-se grupos para entendimento, governos provisórios que não entenderam que nada era repetido e o que foi já tinha acontecido. Juntaram-se os jovens, os que tudo perderam, aqueles que não terão o que já tinha acontecido e de mocas na mão, olhos agressivos e fartos dos mesmos discursos avançam. Mas não agridem, levantam-nas, ameaçam, fazem-se homens e gritam.
- Não, não somos vós que não nos deram um futuro. Terão a vossa sorte, velhos, não nos peçam ajuda.
E saem, saem para procurar abrigo como se fazia há mais de dois mil anos, caçam como se fazia há mais de dois mil anos e deixam os outros morrer porque são os seus assassinos.