terça-feira, 23 de outubro de 2018

Para ti, L.



"Sei que o sonho que tive era mais do que uma mera ilusão - tu estavas lá, à minha espera, como sempres estás. Nas minhas mãos, flores silvestres para te dar. Sempre foste contra as flores aprisionadas num jardim bem cuidado, não passam de mero adorno, sem alma presente.
Como sempre, fiquei calada ao teu lado, respirando apenas o teu odor (tão próprio) que me faz e traz todas as lembranças de nós. Das palavras que te queria dizer, nenhuma saiu. Ficaram envoltas na minha mortalidade tão aquém do tempo que te amo. Limitamo-nos a estar juntos onde fluíam todas as emoções. Juntei pedacinhos de paus, pedrinhas pequenas só para refrear o que te queria dizer. Não sei porque sou assim, sem verbos nem melodias, mãos encolhidas e receios tão antigos. Tu vais muito mais além, a tua sabedoria ainda me inquieta como se eu fosse tão frágil para necessitar sempre do teu amparo. 
Trago-te comigo em todas as viagens do quotidiano, na vela que acendo para que saibas o caminho até mim, no bosque onde nos vemos todas as noites. Nas pedras gigantes onde adormeço nos teus olhos.
Há tantos anos que nos amamos, quantos ainda temos para amar. Envio-te um beijo numa folha perdida. Será mais um recomeço da minha entrega.

Teresa Durães"


in "Três quartos de um amor", Chiado Editora

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Cai a primeira chuva
varrendo da memória
os dias soalheiros.

Talvez encontre
o meu primeiro abraço
repleto de folhas caídas
entre raízes estendidas.

Talvez o primeiro beijo
entre luz oblíqua,
enquanto a chuva espera
e a floresta escuta.

Talvez amanhã seja o dia
onde mãos se conheçam
e reconheçam as carícias.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Vence a dor sobre o corpo,
dobra a coluna em sofrimento,
pede a alma discernimento,
alcança pouca paz em consentimento.

Dias que passam,
ventos que sopram,
corre a água,
nada volta.

Fragilidade na brisa,
marés indevidas
Rasga a pele, o osso, a carne,
rasga o sopro da vida.
Rasga prados de flores,
mantém tronco erguido.