quinta-feira, 26 de março de 2020



Ontem era o dia de todas as coisas e hoje não é. Ontem as flores floriam e hoje tememos os nossos. Ontem um planeta sofria de poluição e alterações climatéricas eram o assunto, hoje estamos reclusos. Ontem, ontem. Ontem era um dia longínquo e eu quero rir e brincar, mas estou tão assustada como todos porque também a mim o Covid-19 atacou os meus e espero o melhor. Entretanto cavo furiosamente as ervas daninhas, dou mimos aos cães e espero, vamos ficar todos bem.
(fica bem mano, tudo vai passar!)

quarta-feira, 25 de março de 2020

Eu tento brincar e rir, não pensem que para mim a realidade não é dura, é igual à vossa, todos temos os nossos casos, as nossas mortes. Mas vamos brindar à natureza, aos momentos, à esperança, aos pássaros libertos, às árvores que estão florir, ao pacote de semente de ervilhas que exterminei porque não percebia nada de agricultura. Vamos brindar às favas que crescem (nem sei como!), às sementes que atirei ao solo e pensei, que os Deuses as protegam porque nem sei o que estou a fazer e doem-me as costas de cavar. E vivam todos os rebentos e espero que chova mais.

(já tenho um caso de morte na família, uma tia, mas uma pessoa distante, para além do meu irmão que está suspeito de estar contaminado, mas continuo a dizer, temos de brindar às folhas que brotam das figueiras porque se o meu irmão adoecer não o poderei visitar, para além de viver num conselho que está oficialmente em estado de isolamento. Nos dias de hoje não podemos proteger os nossos, protegê-los é mantermo-nos distantes. Para além dos filhos o meu irmão é a minha família, tem 48 anos, é novo perante o vírus, contudo é fumador e tem uma filha de 14 anos. A todos os deuses que não podem proteger ninguém, reservem uma luz para este guerreiro)

segunda-feira, 23 de março de 2020


De todas as coisas que gostaria de escrever, poesia, textos poéticos, partes dos meu livros, nada disso. Estou tensa como muitos devem estar, eu que vivo numa zona isolada, ir ao supermercado é ver um filme de terror. Onde vivo poucos casos existem de contaminação, por enquanto, mal vejo TV, recuso-me a sofrer por antecipação. Sei que deveria levar a vida como sempre levei, contudo não consigo escrever, preocupa-me adoecer e não ter ninguém que cuide dos meus cães e gatos, nada mais. A natureza sabe o que faz, a natureza sempre foi sábia e louvo-a mais uma vez mesmo que me sinta presa em casa.

Tenho cavado e retirado as ervas do meu quintal, cuidado das plantas, o futuro do nosso planeta, espero que chova o suficiente para que a água entranha no solo, não apenas umas gotas. Gostava de ver os pássaros livres da nossa poluição, a nascer e renascer, a vingarem-se de nós, todos os animais porque eles, sim, têm razão e nós não.

Sim, os meus filhos estão distantes, mas são adultos e humanos também, predadores como todos. Porque os hei-de preferir no meu egoísmo? Porque deveremos ser egoístas? Por isso chegámos ao que chegámos, a natureza ri-se e mata e nem está a matar o suficiente para que a natureza se equilibre.

O planeta sofre, morre lentamente e com ou sem pandemia muito mais irá acontecer. Será que iremos aprender alguma coisa? Será que presidentes de grandes potências que negam o que se passa irão aprender enquanto lançam os seus misseis e continuam a matar gente em países soberanos?

O mar vai avançar com ou sem pandemia porque todos somos uns idiotas.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Nunca antes senti que um ser humano fosse uma ameaça, nunca antes senti que os meus filhos fossem um risco para mim, nunca antes senti que um afeto fosse uma arma e contudo tudo isto é nos dias de hoje. E neste cenário onde falo em vídeo chamada com todos eles, neste cenário em que não podemos confraternizar penso, a natureza é dura com o que fizemos ao planeta. No entanto espero que o planeta respire fundo enquanto refugiamo-nos em casa e recupere porque as árvores, os animais selvagens não têm culpa da nossa desumanidade.
Não, não gosto de sentir que a próxima pessoa de mim é minha inimiga ou eu dela, não não gosto de sentir que somos uma ameaça uns para os outros. Não, não gosto de sentir, mas mantenho a distância.

terça-feira, 17 de março de 2020



Hoje fui ao supermercado, faltavam uma coisinhas cá em casa. Calcei umas luvas descartáveis e fiz-me à estrada. Olhei de um lado para o outro à procura do tal vírus, não o via em lado nenhum, mas sabia-o matreiro. Atirei as compras para dentro do carrinho, corri para o carro, entrei, acelerei, fui apressada para casa antes que ele me perseguisse. E se já estivesse lá dentro? Tirei a correr as compras, fechei o carro, selei-o, coloquei avisos em todo o lado – Cuidado, foi à Vila!, e de luvas arrumei as compras. Até que as deitei para o lixo, selei-o, incinerei-o, tomei banho de álcool, lavei a roupa toda a 90 graus e estafada adormeci no sofá.

Depois fui comprei uns óculos especiais, com uns filtros. Custaram-me imenso dinheiro, foi numa loja que não posso fazer publicidade. Éramos poucos, muito poucos. Comprei a versão 5.1, o máximo que tinham. Só permitem ver as últimas sondagens do Covid-19, as declarações da DGS e rir com os amigos. Não é que funcionam?


(Não, não se sentem no sofá a sofrer de antecipação, pensem em coisas alegres até isto passar, se algum ente/amigo adoecer, esperem o melhor)

quarta-feira, 11 de março de 2020


[Klee]


Se de alto me ergui, se de alto lutei, se de alto conquistei foi tudo por ti e por ti o farei. Contudo foste embora e aceito-o, aceito os caminhos diversos, aceito a diversidade mesmo que as minhas mãos fiquem frias.

terça-feira, 10 de março de 2020




[Cezanne]


Sei-me agricultora desde muito cedo, só tinha duas sementes, frágeis como todas. Como inexperiente semeei-as o melhor que pude, reguei-as, árvores diferentes, quantidade de água díspares, sol dissemelhante, tudo desigual. Para uma contava aventuras, feitos dos antigos, para outra decidi falar de horizontes alcançáveis mesmo quando pensamos que não conseguimos. Veio a primavera e começaram a dar flor, primeiro uma, depois outra, ano após ano cresciam e da flor veio o fruto e do fruto a esperança que fortalecessem. As minhas sementes fizeram-se árvores eu, espantada, fiquei espasmada com a minha obra. Mas a primeira árvore, todas as vezes que colhia os seus frutos, azedavam na minha boca, só na minha. Desesperada comprei estrume, pedi a um especialista para a verificar e tudo o que me entregaram foram folhas de medo, medo das minhas mãos.


[kandinsky]

Não sei que loucura tomou o mundo, as pessoas, os enganos. Olho à minha volta, sei que quem vende recebe e quem cultiva apenas tem em poucos momentos o que colhe porque de um momento para o outro tudo se vai e as mãos ficam vazias.


[kandinsky]

Não, não tens de dizer nada, nem deverias ter feito essa pergunta, não sei em que caminho nos dividimos, não sei onde te perdi, foi por aí num equívoco qualquer, num episódio meu que não conseguiste aceitar, uma personagem que não sou eu nem da minha escrita e por mais que grite, por mais calma que esteja tu sempre pensarás em mim naquele dia, naquela cama, naquele momento. Não tens culpa nem eu, há tanto na vida onde não existe uma razão, mas ainda não compreendeste isso e não sei se um dia conseguirás. Entretanto olho o teu retrato, relembro toda a minha luta, todas as vezes em que me calei só para te proteger, na face que dei para te salvar de amarguras e tu escolheste um caminho de enredos e enganos onde não poderei falar ou gritar, essa é a tua escolha e sei que morrerei primeiro antes de descobrires a margem onde ancoraste.

segunda-feira, 2 de março de 2020



Estou a ficar louca e não sei, vejo flores a dançar e não é o tempo delas, vejo árvores a cantar e não há coro para elas, vejo ervas entrelaçadas a fazerem uma carpete para a minha sala, vejo andorinhas fora de época e penso, onde estou, em que planeta fui parar, que distância percorri porque nada do que vejo é real, somente as raposas sabem a minha triste realidade e escondem-se dos Homens com medo da sua extinção.


[Isabel Magalhães]

De repente a música rebenta com o quotidiano desenhando palavras que gritam nas paredes brancas,
- Vem,
alicia-me e eu vou por túneis escondidos, vou sem saber para onde, vou numa louca procura pelos caminhos escondidos que nos dão a magia que me está a faltar, vou desesperada porque o céu está negro e preciso de bosques, de castanheiros, de erva nunca antes tocada. E danço, danço desenfreada, a insânia toma-me, a vida toma-me, os Deuses tocam-me e quero-me assim até estar saciada.