quarta-feira, 31 de julho de 2019


[Dali]




Passo a passo, ano a ano, entrelaça-se o absurdo, confundem-se as imagens. Onde estás? Gritam mil vozes ao mesmo tempo, temos emprego, temos governo, temos televisão. Fujo, mas não posso, aguento, o que é isto? Pouco a pouco fui, escorri nas paredes, gritei porque quis me ouvir e não havia ninguém, nem um nem outro. Saio, saio para a rua, não serei o que querem, terei vida, terei os meus Deuses, terei as minhas árvores num país encantado e sim, chamem-me de louca mil vezes porque mil vezes vou dizer que têm razão.


[Peter Wileman]


Depois de tanto te afastar, depois de alguém me te recordar, onde te posso encontrar? Não fui pelos nossos caminhos, tenho medo, disse-te há tanto tempo, tenho medo do tempo. Ainda esperas por mim, eu tão frágil? Sei-te em tantos lados, em tantos lados não fui. Quebro o elo e medo tenho que o elo seja quebrado.



[Paul Brent]


Tocaram violoncelo, as cordas vibraram, tocaram em imagens esquecidas, escondidas dos dias. Quis acompanhá-las, viver intensamente, retomar caminhos tão desejados, tão doridos. Mas acordei e receei de novo, desapareceu o bosque por onde corria, as escarpas íngremes, o topo da montanha onde em tempos contigo estive. Arrumei-te a um canto com medo de te amar, eu que não te esqueço. Tantas vezes te estendo a mão só para tocar nos teus dedos e recordar a tua presença. Diz-me, em que esquina te espero, estarei lá para ti, diz-me onde erro.

terça-feira, 30 de julho de 2019

[Dali]


Toquei com a mão na pedra, três vezes levada, três esquecida, três negada. Levantei o corpo cansado, três vezes estafado, três vezes desistente. Soprava o vento do passado, de todas as vozes levantas, tão perdidas no meio do medo. Sobravas tu que nunca desististe, rosto tão memorizado, a voz que vem sempre quando o corpo está desesperado. Entreguei-te as minhas mãos quando o mundo não era mundo, sempre vieste e agora tão só onde te posso encontrar? Olho-me no espelho, não me vejo, não sou aquela que outrora contigo esteve, perdi-me por aí neste espaço absurdo. Não sei o que me resta, a espera, o encontro ou a procura entre as pedras que não me querem.

domingo, 28 de julho de 2019


Fogem, fogem, mas não sabem para onde. Tudo são planícies por desbravar, um mundo diferente por descobrir. Morrem as correntes que moveram políticos, cortam-se amarras dos movimentos, tudo está diferente e, contudo, ninguém o presencia.
Formaram-se grupos para entendimento, governos provisórios que não entenderam que nada era repetido e o que foi já tinha acontecido. Juntaram-se os jovens, os que tudo perderam, aqueles que não terão o que já tinha acontecido e de mocas na mão, olhos agressivos e fartos dos mesmos discursos avançam. Mas não agridem, levantam-nas, ameaçam, fazem-se homens e gritam.
- Não, não somos vós que não nos deram um futuro. Terão a vossa sorte, velhos, não nos peçam ajuda.
E saem, saem para procurar abrigo como se fazia há mais de dois mil anos, caçam como se fazia há mais de dois mil anos e deixam os outros morrer porque são os seus assassinos.

quinta-feira, 25 de julho de 2019


"Olhei na direção onde devia estar o Guardião, não estava lá nada, Telgio tinha razão, não conseguia perceber o que estava a acontecer quando vi um guerreiro enorme a aproximar-se.
Telgio, de imediato, desembainhou a espada apontando para o colossal guerreiro que se pusera à nossa frente.
- Guarda essa espada, rapaz, desfaço-te num instante se quiser. Além disso, não estou aqui para lutar. – Resmungou o guerreiro.
- Não sei se o conseguirias, mas o queres então? – Perguntou Telgio sem nunca descer a guarda.
- Já te disse, guarda a espada. – disse de maus modos.
- Posso ao menos saber com quem estou a falar? - Telgio não se mexeu.
- Estás a falar com o Guardião, – o guerreiro fez um ar furioso – e estão nos meus domínios por isso guarda já essa espada antes que te desfaça."







"diz-me tu, o que é o amor?", gratuito https://www.kobo.com/pt/pt/ebook/diz-me-tu-o-que-e-o-amor



"Deixei de ter passado ou futuro, somente existia. A pouco e pouco fui perdendo a noção do corpo e a minha mente deslizava por águas calmas e seguras. Somente um eu desconhecido que parecia que estava a reencontrar-se, cheia de nada, cheia de tudo, um complemento da existência. O espaço perdera o seu significado, os pensamentos eram ruídos, sentir, vento, calor, frio, a Deusa que me acarinhava e sorria. Pedras saltitando num lago, uma folha a mexer-se com a brisa, o suave cantar das ondas do mar, o chilrear de um pássaro. O início e o fim do mundo numa dança intemporal. Pó, eu era um grão tão pequeno dentro da grandiosidade existente, mas ao mesmo tempo abrangia como se fosse possível tocar um pouco por todo o lado.
Já não era eu, era de novo pequena, num descampado, uma trovoada intensa sobre mim, cheia de medo a gritar, eu de novo adulta. O tambor ritmado, depois, um espaço subitamente silencioso, somente uma luz difusa e nada mais. Nada mais. Repousei.
Peter encaminhou-me de novo para a carrinha, abriu a porta, deixou que entrasse e entrou também. A minha mente ainda girava com as sensações da noite, mas Peter começou levemente a acariciar-me e a murmurar palavras encantadas que começaram a sossegar-me. Acariciou os meus cabelos ao de leve enquanto, com a outra mão desenvencilhava-se das roupas que estava a usar. Quando mais nenhuma restava olhou-me fixamente e sempre, sempre murmurando, foi-me acariciando até que o meu corpo começou a ter espasmos de antecipação.
- Hoje é a noite em que os Deuses se unem na grande dança que são os ciclos de vida. Hoje é a noite em que a noite vai-se sobrepor à luz, o feminino vai imperar sobre o masculino e eu serei o teu consorte."

quarta-feira, 24 de julho de 2019







Ontem fui ao monte para colher frutos, apesar de ser início de verão estavam todos maduros. Enchi um cesto, há muito tempo que não os tinha fresco, dariam para umas compotas para o inverno. Os fogos haveriam de chegar, a sede aumentar, a fome a acrescentar, talvez não conseguisse fazer mais pelos demais, talvez só tivesse o suficiente para mim e os meus animais.

Resguardei-os onde pensava ser o melhor sítio escondido para os bandos salteadores que iriam aparecer, sobreviver era a regra, reparei o meu arco e as flechas, as armas de fogo tinham as munições gastas, as galinhas foram roubadas, restava-me pouco para sobreviver.

Não sei porque continuava esta luta, talvez o instinto de sobrevivência, talvez a minha teimosia, corria para as árvores para salvar comida, para a horta, para os bosques. Não iria continuar mais tempo, a sós nunca, o mundo estava largado ao acaso, a lei do mais forte imperava e eu não era um deles.

Escavei um abrigo, um refúgio que fosse defensável. Por quanto tempo?

domingo, 21 de julho de 2019


[Anta de Adrenunes, Sintra]


Tentei tudo, o grito, a marcha, o poema. Tentei e fui vencida. Quantas palavras engolirei para ver que as uvas maduras pertencem a setembro e não agora?  Quantas escadas subirei para ver o extremo do mundo, erguer a minha bandeira e esperar o milagre que não virá? Descerei ao inferno, dez círculos infernais sem saber se existirão as dez esferas celestiais. Percorrerei as treze pedras da Regaleira e esperarei no Adrenunes que os Deuses regressem. Ninguém virá, eu sei, os Deuses abandonaram-nos cansados da nossa existência. E eu com eles.  

sábado, 20 de julho de 2019




[Dali]

Olho em redor, queria não ver a loucura humana, vejo-a em todo lado, grito, quero salvar os meus filhos, grito, deixem-me em paz. Mas paz não tenho, ponho música nos ouvidos, talvez consiga voar para longe, ser livre, alcançar o sossego dos mundos por desbravar. Digo e repito, porque não me deixam em paz, desliguem a televisão, desliguem o mundo, desliguem a imbecilidade que me rodeia, não, não sou especial, sofro com isto e não quero, quero heróis e heróis não existem, quero luta e luta não existe, quero ser e ser não posso.

Digo, deixem-me, deixem os meus filhos, deixem-nos viver, o que se passa convosco que se entregaram à loucura e não reconhecem o nascer do sol? Perderam a noção neste vaivém de desinformação, neste consumismo que consome a vida.

Digo, porquê? Digo, porque não param para pensar? E sim, digo, engolem a existência, a coerência e sim digo, digo cem mil vezes, levarão a minha vida sem importância, mas tragarão os meus e essas não perdoarei.




#PortugalSemMinas


"De todo o lado, sinos e telhados. O frio construíra uma nuvem gelada em torno da união das pequenas janelas que sobressaíam dos amarelos, verdes e azuis dos edifícios. O vento gelou-lhe o nariz, as mãos escondeu-as nos bolsos. Sinos e sinos, a cidade parecia que enlouquecera. Luís pôs o braço em cima dos seus ombros e puxou-a para si.
- Aqui não há engarrafamentos nem pressas. Subimos à época medieval onde a igreja é mais importante e o centro. Onde Deus impõe a sua presença para que nunca O esqueçamos. Certo? Errado? Deus não existe e apenas fomos alienados? Ou será a nossa pressa que nos leva a ignorar? Escute os sinos, Ana, sinta cada vibrar, ouça a conversa que surge entre eles. Feche os olhos, concentre-se no som, só no som. Esqueça esta paisagem, esqueça tudo à sua volta, o vibrar ao longe, o metal frio, os diferentes sons reproduzidos. Um, outro, vários, de todo o lado. É impossível negar que lhe é indiferente porque os ouve e os sente vivos, como se o seu badalar não fosse produzido por seres humanos, mas por autorrecriação. Mas os sinos que ouve são várias vozes, não uma só. Um deus multiplicado em vários."

"diz-me tu, o que é o amor?". gratuito https://www.kobo.com/pt/pt/ebook/diz-me-tu-o-que-e-o-amor

quinta-feira, 18 de julho de 2019



Acredito que Portugal pode-se manter num país ecológico se todos nos envolvermos. Recuso baixar os braços, não será a mim que afectará, morrerei antes disso ou estarei velha demais para me preocupar com a subida do mar e da temperatura. Digam-me, terei netos? Irá resistir a nova geração? Digam-me, porquê tudo isto? Digam-me, porque encolhem os braços e recusam-se a ver o que está a acontecer?

Não, desta vez não é Helena de Troia que gritará, nem eu, são os cientistas. O que querem da vossa vida porque não entendo a vossa posição?

Enquanto estão sentados nas vossas cadeiras, as uvas amadurecem um mês antes, a água escassa, os pássaros estão aflitos, as abelhas em extinção, os ursos polares procuram refugio nas populações, quantos mais gritos precisarão?

https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=alertalitiopeticao&fbclid=IwAR0zvHeigbwE1pXjiCcjq_5Dpv0zjDGuTmGIJi8SVFiZZQcGrNv4QKMhpsQ


(uma das coisas curiosas dos blogs é que sei quem visitou a minha página e ignorou o meu apelo. Cada um tem o direito da sua opinião, mas terão de saber que serão os assassinos de todos nós porque nada fizeram.

as uvas estão maduras dentro de uma semana, só deveriam estar em Setembro. 
40% do gelo da Gronelândia derreteu.
Os pólos estão a derreter.
Os animais a morrer.
Para que serve um poema se ninguém estará vivo para ler?)

terça-feira, 16 de julho de 2019



[Fotografia de Luís Stuart]

Não, não posso carregar mais o mundo, não, não aguento, tenho de respirar os carvalhos, tocar nas suas folhas e sentir a sua textura, sentir os Deuses e saber que a natureza ainda existe.
Não, estou cansada da placidez do Homem, da vontade de gritarem que têm poder. O que serão quando o céu se revoltar e o mar se cansar de estar no mesmo sítio e invadir as planícies? O que farão os aclamados heróis? Chorarão como todos nós, fugirão como todos, mas serão os assassinos de todos nós.


#PortugalSemMinas

https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=alertalitiopeticao&fbclid=IwAR1AQjxhbJJwbp_GPn28Ovl9T2nSIHVWF_T5kaZ-Ycxxg8c3QMdOnOMLG_A



Tenho uma amiga no Algarve que me disse, as uvas estão maduras dentro de uma semana, só deveriam estar em Setembro. 

40% do gelo da Gronelândia derreteu.

Os pólos estão a derreter.

Os animais a morrer.

Até quando vão ficar inconscientes?



terça-feira, 9 de julho de 2019



“O cetro do Guardião”, Saga “Os castros”, #2,Teresa Durães

Um novo livro ou encaixotar a tralha que tenho em casa porque me vou mudar? A escolha não foi muito difícil, ignorar o presente como se tudo acabasse por se resolver. Papéis para aqui, papéis que caducam, meses que passam, bancos e compradores, não quero saber disso, entrego-me à fantasia, à mitologia portuguesa, à magia.

A minha filha diz que só escrevo coisas do passado que ninguém quer saber. O livro passa-se na época dos castros, dos lusitanos, considerando a sua estrutura social, os seus costumes, a sua religião. Mas é um livro de literatura fantástica, o segundo livro da saga “Os castros” sendo o primeiro “O encantamento do vento”. Este relata a segunda geração.

O que seria da nossa vida sem os encantamentos e as aventuras fantásticas em luta pelo bem, em luta pelo que está certo? Não sei, sei que vagueio por bosques, sinto o aroma dos pinheiros, vejo as folhas castanhas, colho fetos onde me deito e sinto-me feliz.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

[fotografia de Luís Stuart, edição Teresa Durães]

Outrora amei-te lá, lembras-te? Corremos a serra tão bem nossa conhecida, saltámos de rocha em rocha, mergulhámos os pés nos riachos, sabíamos estar perto dos Deuses por isso percorremos os caminhos em S. João d'Arga, sentimos a brisa, deitámo-nos na relva como em milénios foi feito e amámos sob o olhar da lua, selámos a nossa união mais uma vez, nesta vida como em tantas outra o fizemos.

Agora pedem pedras, vamos dar pedras, pedem água e água vamos dar.

Nunca mais nos encontraremos neste lugar sacralizado, não neste, teremos de procurar outra serra onde o intocável permaneça, onde os Deuses não precisem de se esconder.



(* a exploração do litium, para além de ir abrir uma cratera na serra, irá desviar cursos de água e contaminá-la
Petição pública https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT93607&fbclid=IwAR21HCPonCu1iJNas4yma7pOyBqE-j_DsankkoY_MyCzT_rBn5dRHIK0PS4)

quinta-feira, 4 de julho de 2019




[David Wiles]

Quando voguei nas estrelas e entreguei-me ao universo soube que havia mais para além de mim, para além de todos nós. Espreitei a noite, as corujas sussurraram-me, os roedores caçaram, a natureza equilibrou-se. Entreguei-me aos sons, aos reflexos, a todas as cores brilhantes que se destacavam na noite.

Queria paz, tive paz, queria solidão, solidão tive, consegui abraçar toda a existência, de tão grande que era subjugou-me as palavras, a música, as cores.

Fiquei presa às pedras que ligavam os dois mundos, aguardava a busca do Homem pelo infinito, guardava as insígnias que retificavam o mundo, esperava a procura pela magia e confiava no ser que sempre vingou pela arte.

Perguntava, onde estavam os filósofos e os pensadores? Onde paravam as religiões?  Onde buscavam os adoradores da natureza que não acreditavam que esta tinha alma?

terça-feira, 2 de julho de 2019

[Tela de Silvestre Raposo]

Hoje voei pelo campo, apanhei bagas e descansei num tronco de uma árvore. Foi um voo afoito, procuram por mim os caçadores, os rapazes com as fisgas, os loucos. Tenho as madrugadas para ser livre enquanto os Homens dormem, enquanto a natureza respira. Não sei quando isto começou, perde-se a memória nas fugas, nos esconderijos, na sobrevivência. Amanhã recomeçará tudo de novo, a espera, a incerteza, o medo. Preciso de continuar para sobreviver, esconder-me, procurar, não sei quanto tempo aguentarei, estou só, estou escondida.