terça-feira, 29 de novembro de 2016

Cantas água,
falas em sussurro,
envolves-me em ramos,
respiro por ti.

E por ti espero.



Fala-me
de vozes antigas
que vibram no silêncio,
folhas em movimento,
eterno segredo.

Fala-me de hoje,
fonte ressequida,
longe da vida,
caos em ressurreição.

Fala-me antes
do vento veloz
que me leva a voz,
recorte do que sou,
tudo o que ficou.

Fala-me, fala-me,
voz vizinha que escuto,
presente passado futuro,
dás-me tanto, tudo,
solta o que está obscuro,
esperarei por ti sempre,
nas longas horas,
momentos incertos,
desconhecido destino.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

É tarde, é cedo. Os pássaros ainda dormem e eu estou de vigília. Sei que não posso estar acordada, vai ser um segredo meu.


É cedo, o silêncio impera, tenho a madrugada para mim e vivê-la é um momento. Que sou. Que estou. Essências que não são garantidas. Como nada o é.

É tarde e tento curar-me da ferida que fui outrora. Eu que sonhei tanto!

É cedo para dizer que é tarde. Mas é tarde.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Quietas as madrugadas que me despertam. Há no silêncio a minha voz, as imagens que vejo e revejo, um sopro de vida. Uma pétala tímida. Uma raiz que inventa a terra.

Há o olhar distante de quem tenta deslindar os mistérios.

Dou três passos, avanço. Cautelosamente. Para que o vento não ouça.

Tenho sofreguidão de goles de harmonias.
Esvoaçaram as aves
escutando o frio
que vem entrelaçado
nos raios desmaiados.

É tempo de recolha,
a noite esconde as silhuetas.

É tempo dos poetas acordarem.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Acreditei nos pássaros quando voaram em círculo por cima do pinheiro manso que plantara. Um bom augúrio, uma dávida dos Deuses. O vento soprava de norte, o sol estava no seu apogeu, estávamos no início de mais um ciclo.

Todas as noites acendia uma vela para que me lembrasse dos tempos que viriam. Casaria com o homem que amava e iria viver com ele para terras distantes.

Ninguém esperava a guerra que estalara, talvez  a leitura do voo das aves tenha sido descuidada, os padrões ignorados.

Fiquei com a vida em suspense. Era impossível deslocar-me com tamanha carnifícia, sobreviver era um acto heróico.

A minha vela permanecia acesa. Cada dia com mais intensidade.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Maggie


Eu sei que ela gosta de mim e da Ema, a minha grande amiga pastor alemão. Mesmo quando chega a casa, cabisbaixa e sem palavras. Eu ladro-lhe, não pode andar assim. Por vezes ela fica furiosa e eu limito-me a acompanhá-la um passo atrás.

A Ema sabe sempre o que fazer. Ficar em silêncio quando chega de expressão fechada, lambê-la para se alegrar quando o permite.

Por vezes é tudo uma festa e as três brincamos no quintal como se fôssemos cachorros. Nessa altura ela lembra-se de nos dar banho e escovar. Não gosto de ambos.

A Ema já me explicou que ela tem variações de humor mais acentuadas do que os outros humanos. Ela nunca o diz, tem vergonha.

Eu gosto de acalmá-la, dormir encostada num lado enquanto a Ema faz outro tanto. Colar o meu focinho ao nariz dela e lamber a face que nunca tem lágrimas.

Queria poder dizer-lhe que não se esquecesse que o momento em que acorda é a altura do meu maior sorriso. Sim, os cães sorriem.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Sopras a manhã de mansinho
agitando as rosas do meu quintal.
Da noite, o perfume do silêncio
onde escutámos os nossos verbos.
Hoje acalmas o vento,
a chuva recolhe no céu cinzento,
eu distancio-me em pensamento.
Porque se esconde o tempo
girando em novelos,
rodopiando em segredo?

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Enrolo-me nas palavras de ontem. Tenho como fado conseguir perseguir o caminho das estrelas. Mas a noite vem e perco-me em expressões mil vezes contadas. O mar, esse, desbrava o caminho sabendo que estou ausente.

- Há doçura nas pétalas virgens,

há o inevitável, o desagrado, o tempo acumulado como castanhas à espera de serem assadas. Há. O ritmo, as sombras, cem mil vezes a mesma pergunta.

Deito-me observando a noite. Os bandos de pássaros desapareceram. Eu e as estrelas. E todas as forças que nos desenham.