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domingo, 29 de dezembro de 2019
Enquanto troco letras, palavras, gestos que se foram, mas estiveram, enquanto estou viva, enquanto estou acordada vejo a Cassiopeia, o Oríon, vejo outras constelações que esqueci o nome. Deambulava pelo parque enquanto me mostravam cada uma, é difícil de decorar, é fácil de esquecer, a música vive enquanto escrevo, as estrelas estão lá fora, mas vi-as neste frio da noite, vi-as e relembrei todos os passos dados nas noites invernosas e claras enquanto me apontavam as constelações. Já ninguém me as diz, o passado passou, o tempo passou e as memórias ficaram retidas. Às vezes não sei o que farei a tantas memórias, às vezes é simples, elas estão lá, um sorriso pela noite, uma noite longa enquanto ninguém me obrigava a dormir e a noite passava em claro, e a noite era uma vida, cada noite especial. E os sorrisos de outrem permanecem na memória, não os revejo, mas estão comigo porque se os encontrasse iria descobrir outras constelações.
quinta-feira, 26 de dezembro de 2019
[Miró]
Tenho uma cerveja gelada ao meu lado e um monte de sorrisos dos dias que antecederam, sou tão agraciada que nem sei como é possível, eu que nada fiz de especial na minha vida. Tenho calor no corpo todo dentro do casaco de pelo e do frio que me rodeia, tenho vozes que ainda não se perderam, um gesto, um afago, um sorriso. Tenho abraços, tenho um ronronar que não era de um gato, mas também peguei num gato ao colo que não era meu e pensei nos meus distantes. Tenho de os ir buscar, mas pelo seu bem estar tenho de ter paciência, eu que nunca fui dada a isso. Sempre disse, vim a esta vida aprendê-la, mas devo necessitar pelo menos mais de umas dez, eu tão impaciente. Quero os meus ao meu redor, quero cães que ainda não tenho, quero a minha vida rodeada de vida pura e entretanto luto contra a insanidade de ser sã no meio do caos que escolhi como vida. E em cada passo que dou sei que estou certa.
[Chagall]
Uns vêm, uns vão, uns permanecem. Uns querem o presente, um
futuro, e surgem, surgem de repente como se sempre estivessem lá. Outros
esquecem-no, o presente, tomam-no como garantido, usam-no, cospem em cima dos
gestos das mãos e perdem-no com a facilidade com que o obtiveram e dizem, não
era isso que queria, peço desculpa, tudo depois dos passos estarem
estraçalhados. Os que permanecem, ah!, esses, a esses chamam-se amigos.
terça-feira, 17 de dezembro de 2019
Hoje citei cem vezes o meu nome em voz alta e cheguei à
conclusão que era o mesmo de há cinquenta anos atrás. É estranho dizê-lo e não
ouvi-lo de outra pessoa, mas mesmo assim fi-lo, não o fiz em frente a um espelho,
isso seria interferir na experiência de que o nome era o meu e não o de outrem.
Hoje olhei-me ao espelho cem vezes e tentei perceber se a
imagem refletida coincidia com a do cartão de cidadão, à parte da estranha
imagem cinzenta com que nos presenteiam, descobri que sim, era eu mesma, a
Teresa, mais velha, mais cabelos brancos, com os filhos adultos, mas sim, era
eu.
As minhas mãos têm mais rugas, talvez seja a parte do corpo
que me faz confusão, nãos os cabelos ou a cara, antes as mãos. Antes tinham
muita força, levantavam as crianças, faziam várias tarefas ao mesmo tempo e
agora não, são simplesmente mãos.
Quando era miúda pensava que as minhas mãos não mostravam
trabalho e olhava-as lisas, não calejadas, sabia lá que mais tarde tudo seria
diferente. Transformaram-se em mãos que ligam aos braços, à coluna e a um passo
de cada vez.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
Chove, mas chove tanto que é difícil de ver o exterior. Sei
que estou quente, sozinha, mas não solitária, estou com a minha música, as
minhas palavras que para mim são a minha fala. Porque nem falo muito ou o que
falo não tem qualquer préstimo, limita-se ao razoável entre pessoas. Ainda não
consegui o meu sossego total nesta confusão de obras em casa e tanta papelada a
tratar só para que o Estado saiba onde estou, perco-me em tanta papelada
irracional que não há poesia que sobreviva, não há momentos de reflexão, não há
cinco minutos a apreciar, não há fotografias da paisagem magnífica à minha
volta. Não há nada.
Levantei-me de manhã, ter de ir à cidade é um pesadelo, eu
citadina há cinquenta anos e só pertenço ao campo há menos de um mês. Quando
era miúda e as férias de verão se aproximavam ia sempre um mês para a quinta
dos meus avós. Fazia a mala com quinze dias de antecedência e sonhava todas as
noites que lá estava. Era a liberdade total, as árvore, os animais, o cão que
tomava-o como meu. A minha avó obrigava a dizer uma prece ao anjinho da guarda,
conceito que desconhecia, mas deslizava a lengalenga e os lençóis cheiravam a
sabão lavados no tanque e corados ao sol. No início não havia eletricidade,
essa veio muitos anos depois, as sombras dos candeeiros de petróleo metiam-me
medo, mas enfiava-me debaixo das encobertas, todos sabem que debaixo delas nada
nos acontece.
Acordar e sentir o sol e o campo à minha espera, apanhar
amoras maduras, ajudar a dar de comer às galinhas e coelhos, correr por entre o
milho fingindo que me perdia e arrancar um cacho de uvas da videira era tudo o
que queria.
Quando regressava a Lisboa quase chorava, tinha sonhos
durante muitas noites que continuava a lá estar, sonhos que duravam meses e
acordava angustiada. Mas vinha a escola, os amigos e eu sempre gostei de
estudar. Adiava as saudades e ainda hoje as adio porque os tempos não
regressam.
(há quase um mês que ando a tratar de burrocracia, a minha casa nova está em obras, ando sem tempo para nada, peço desculpa a todos)
domingo, 8 de dezembro de 2019
Gosto de rever os meus, mas já não são meus. Goste de
visitar os amigos, mas também não são a minha casa. Todos temos de ter o nosso
tempo e ele não é sobrecarregado com os outros a tempo inteiro. As raízes têm
de ter tempo para ocupar o solo, saberem procurar água e nutrientes e nenhuma
outra árvore estará lá para dizer. As pedras nascem sós e vivem uma eternidade,
recolhem histórias do tempo e vivem sob o sol e a chuva, vivem com o desgaste
do vento tal como nós. Dizem que não têm vida, talvez não as tenham escutado
nem posto as mãos sobre elas para com elas conversar.
Dizem, somos diferentes disso tudo, digo, não é verdade,
pertencemos a este todo, não, simplesmente não o entendem. Não só os animais
vivos, os sencientes que há pouco tempo lhes deram importância, algo que sabia
desde que me conheço, têm de ter a nossa consideração. Uma pedra antiga é tão
viva como nós, um castanheiro fala-nos da sua vida e cada folha, cada erva tem
a sua própria existência tão igual à nossa.
Não, não me venham dizer que há uns mais iguais que outros,
Lenine disse o mesmo.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2019
Chegou ao pé de mim segurando uma muleta, outra pessoa onde
os anos pesam e o isolamento também. Os filhos distantes, certamente não a
abandonaram, mas estão longe. Recordou os seus anos vividos em África até ter
de fugir sem nada, mais uma história que ouvi de tantas. Escorreram
lágrimas, “Não pense nisso, já foi há tanto tempo!”, “Não costumo pensar, mas
quando falo não aguento”. E ouvia, as suas terras, a sua vida, a sua casa que
foi invadida.
- Volte! – Dizia-lhe o sócio – Corremos com os que se
apoderaram das suas coisas!
Mas não voltaram, como era possível? E dizia-me, só víamos
chegar militares, não paravam de vir, o meu marido ignorava e eu dizia-lhe,
anda, vamos deixar algum dinheiro em Portugal.
- Não, os bancos só nos roubam!
E ficaram sem nada como todos os outros, desprevenidos, não
acautelados apesar da senhora ter insistido.
- Trouxemos uma angolana connosco, nem sabíamos do pai dela,
ela era miúda e ficou tão entusiasmada! Demos-lhe outro nome. Gostas de
Filomena? O nome dela era tão difícil de pronunciar!
A Filomena veio e nunca quis regressar, o filho ainda lá foi
há pouco tempo, mas o tempo passa e nada é igual.
- Tínhamos gado, deve ter fugido todo.
E eu pensei, a guerrilha de certo que se apoderou dele, mas
nada disse.
- Destruíram tudo, mas a terra era deles, nós é que a
ocupámos, não deveria ter sido assim.
Não, não deveria, mas os governos fazem tudo ao contrário e
não são só os nossos!
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
(Dali)
Noutros tempos, noutros mundos, tu e eu acarinhando o tempo sem que este passasse, uma função inexistente, somente na mente dos distraídos. Noutros tempos e noutros mundos sempre juntos vivendo até ao começo do dia onde a realidade nos separaria, onde apenas nos uniríamos em versos travessos, em romances escritos só com o fim de te encontrar e em cada um que escrevo tu estás lá porque nesta vida não vieste.
terça-feira, 3 de dezembro de 2019
(às 7h30 da manhã)
Mudei-me, da cidade para o campo, de uma casa limpa para uma
cheia de obras por fazer por isso desapareci daqui. Um café pela manhã olhando
oliveiras, o frio que chega pela noite, a confusão de papéis a tratar, o Estado
adora isto e tenho a certeza que esqueci qualquer coisa apesar de todas as
listas intensas que fiz. Hoje nem sala tenho porque está tudo uma confusão, mas
felicidade de aqui estar no sossego, longe do barulho, do desassossego é tão
grande que todos esses pormenores acabam por ser indiferentes.
Não, hoje não há poesia ou textos poéticos, há uma ode às
oliveiras, aos caminhos recônditos.
- Não se isole!
Não existem telemóveis, internet? E, claro, viagens para ver
os filhos de vez em quando, ou eu ou eles. Agora eu porque aqui não consigo
receber ninguém no meio de tanta pedra caída da parede derrubada.
Porque partilho isto? Não deveria ser um assunto só meu?
Porque não o deverei se uma aventura deve ser contada e esta é uma aventura,
uns dias sem eletricidade e a velas, uma casa de banho exterior (que horror!)
enquanto as outras não são feitas, mas tudo faz parte de uma experiência de
vida e eu estou a tê-la.
Sair das grandes cidades é sair de Portugal, do Portugal que
conhecemos e é tão estranho. Claro que em breve a novidade será o quotidiano,
mas até lá vou conhecendo Portugal.
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