quinta-feira, 23 de julho de 2020



Deixei este mundo, não tinha mais tatuagens

domingo, 19 de julho de 2020

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Escrevo silenciosa em casa, a TV sempre desligada, mas o rádio grita números, grita tanta coisa que o desligo. Este confinamento mostra tão inseguros que somos, tão sociáveis que somos, tão amáveis que éramos.
O vírus não é algo vivo, mas penetra na mente das pessoas o que nunca deveria acontecer, as dúvidas, o medo, o desespero de quem tem consciência e não vai visitar os seus idosos. Mas eles morrem, morrem contaminados, fazem números em estatísticas e talvez a satisfação de um Segurança Social falida há muitos anos.
E vão a correr os incautos não percebendo que amor agora é distância. Que raio de amor é este?, quase pergunto todos os dias, eu que aqui só vejo oliveiras, mas os meus estão lá entre os infetados, os meus estão expostos se não tiverem cuidado e fecham-se em casa.
Não gostaria de morrer com falta de ar, mas pensar que não veria mais a expressão dos filhos desgasta-me.

quarta-feira, 15 de julho de 2020




(gratuito para download na loja kobo.com)



      Eram as instalações do gabinete de consultadoria da Projeção dos Estudos para o Novo Aeroporto (PENA). O luxo era idêntico à sigla com que o presentearam. Não sabia a razão da sua presença; em corredor algum existiam amostras que denunciassem. Mas ordens eram ordens e continuava nessa causa sem sentido.
A porta indicava a secção de Pessoal. Deu três pancadas. Não sabia qual o motivo de serem três; partiu do princípio de quem estava do outro lado tinha dificuldades de audição. Esperou até ouvir a habitual voz esganiçada muito em voga naquele setor. Secretária, cadeira, papéis. Olhar severo de quem se empenhava no que fazia. Nome, morada, habilitações, papel entregue que indicava a razão da sua presença. A manhã na burocracia, mas sem fitas de cores para se colocarem no pulso consoante a emergência. Fila de gente que esperava vez. O rosto que mal olhava e ignorava-a.
          - Apresente-se no gabinete 27.
          Saiu e ouviu atrás dela a porta a ser trancada. Expressões de aborrecimento das pessoas que esperavam, não se ouviam queixumes.
          - Desculpe, onde é o gabinete 27?
          Os passos aceleravam à sua pergunta e não havia voz que indicasse o caminho. Pelas paredes riscos de cor. Teriam o mesmo significado da gestão hospitalar? Nem hesitou, só podia ser um verde de erva e foi dobrando as esquinas, lendo letreiros, cruzando com quem passava até que regressou ao mesmo local. Ouviu uma sirene e gente apareceu de todo o lado causando filas para uma passagem que tinha passado despercebida. Portas que batiam, portas que fechavam, nem um sussurro, somente os sapatos altos ecoavam nos corredores e alguns tacões de homens baixos de bigode e ar empertigado.
          - Desculpe, onde é o gabinete 27?
          Um homem parou de olhar indignado.
          - Não sabe que são horas de almoço? Para que raio quer saber do gabinete 27?





Descalço as botas,
- A vida é dura com elas.
Liberto-me do seu peso,
Da sua consciência
E serei um pássaro sem peso.
Até amanhã,
Onde as voltarei as calçar.

terça-feira, 14 de julho de 2020



Abracem, mas não abracem,
Beijem ,mas não beijem,
Desconfiem dos vossos, dos outros
De todos, da humanidade.
Abracem, mas não abracem,
Beijem, mas não veja
Porque há muito tempo
Nenhuma arma foi apontada para vós
Pelos vossos, pelos outros, pelos conhecidos.~

Teresa Durães
Agarro a minha cadela. Sinto o pulsar do coração por debaixo do pelo e acaricio-a. 7 vezes calma, 7 vezes segura. 7 vezes viva num mundo que já não existe.
Corremos na praia, em prados esquecidos, nos topos das montanhas libertas de luzes e ruído. Somos ondas, ervas, rochas, somos todos os desígnios.
Quando anoitece e os Deuses já se retiraram para mais um dia, deitamo-nos ao relento onde sussurro histórias das estrelas, amores e traições, epopeias e tragédias. Ela espeta as orelhas, quase jurava que me entendia. Ela sabe, já há pouca vida.
Estendo-me ao comprido. Patas em cima, cabeça na minha barriga. Tento imaginar um mundo sem ela, um mundo estéril, um mundo triste, uma aceitação difícil.
Abraço-a. Tenho medo. Tenho tanto medo de a saber sem vida. Por favor, 7 espadas acima.
Teresa Durães in "7 espadas acima", gratuito para download na loja kobo.com


segunda-feira, 6 de julho de 2020

Estou cansada
Bastante cansada
Cansada demais
De tanto cansaço
Levanto-me todos os dias
Sabendo que ficarei cansada
Cumprindo
Sempre cumprindo
Ouvindo e cumprindo
Fazendo e cumprindo
Regresso
Continuo cansada e cumprindo
Ninguém sabe como estou
Ninguém
Estou cansada das palavras
Dos gestos e das explicações
Cansada de dizer que estou cansada
Se não cumprisse
Não estava tão cansada
Nem haveria palavras
Nem gestos explicações regressos
Teresa Durães





Veio com o vento a uma velocidade de um furacão. Devassou a passagem onde passou, mas não em vão. Surgiram sorrisos nos lábios, cintilaram olhares e provocaram alegria. O que era passado desapareceu e transformou os dias. Pousou a cabeça no ombro; só queria descansar e aninhar. Deixou-se estar: o aroma da pele soltava-se lentamente em adormecimento puro. Minutos roubados para encarar outro dia; minutos urgentes que lhe davam vida. Pedaços de um quotidiano não vulgar. As cores preenchiam e deixou-se vogar pelo inteligível. Diz-me tu, o que é o amor?

sexta-feira, 3 de julho de 2020


Quero ser
um sino dobrado
tocando nas manhãs lentas
nos verões quentes e desertos.
 
Um monte estendido esperando a paz
na planície amarela e deserta
sem consciência do seu princípio e fim.
 
Uma toca de coelho
cheia de subtis caminhos
que intercepta com outros
criando a malha escondida.
 
A água que se infiltra
pelas fendas invisíveis.
 
A raiz que desventra o muro.

(dedicado à minha filha, escrito há tempos, parabéns filhota!)

quinta-feira, 2 de julho de 2020







Um espaço e outro, e espaços entre espaços,
e vazio entre uns e outros.
Existem raízes profundas que perfuram muros
outras tão soltas.
Existe o mar com o seu território tão próprio
e na tua lassidão, na tua insolvência,
não vês que há caminhos paralelos,
tão confusos onde nada que queira perdurar irá se absorver, absolver.
Somos corpos mas nem todos estão adormecidos.

Teresa Durães in "Teixo-Mulher, gratuito para download na loja kobo.