[Júlio Pomar]
Não quero mais ouvir essa palavra tão gasta que é o amor, rasga as frases proferidas por ti porque me mentiste. Diz-me apenas que foste embora para a terra dos desaparecidos.
Nas estrelas da noite
pousavas para mim, deleitava-me ser espectadora desse corpo que era teu. Nunca
to disse, nunca existia tempo para sermos. Das vezes em que demos as mãos e entrelaçamos
os dedos, lembras-te? Tão fugidio, tão aquém de todo o amor que inventaste para
mim e que acreditei ser possível.
Não são os céus que nos
ensinam o caminho e tu eras o meu. Esperei a noite toda e não apareceste. Entreguei-me
ao voo da coruja branca que habita na minha chaminé. Impagável, caça todas as
noites, repeti os seus gestos, consumi roedores, animais notívagos, devorei
sombras para descobrir que essa palavra tão gasta não existia na escuridão. Até
que parei.
Deitei-me debaixo de uma
árvore no meio das ervas. A orvalhada infiltrava-se nos meus ossos cansados de
tantos gestos desesperados. Tinha perseguido fantasmas, violado a minha
sanidade. Neguei a existência desse malfadado estado, não passava dum
malabarismo de reflexos imaginários. Não, não me fales mais dos laços que
tínhamos encontrado.
O vento passou, os girassóis
cresceram, despontei para a corrente do rio ladeado de amieiros. Os pés
descalços que pisavam a terra sentiram o vibrar do mundo. À minha volta apareceu
o povo dos bosques, nas suas mãos as insígnias dos Deuses antigos.
Não sei o que é o amor, mas deixei-me
ir na paz da floresta.