segunda-feira, 25 de março de 2019

"Enquanto ouço música e a minha cadela está aos meus pés, enquanto me envolvo na melodia e estico os braços sei que existe um mundo que pode ser de novo conquistado.

Pela janela, por entre as árvores de fruta, espreita um sol puro, envolve o odor da primavera. Não tardarão as andorinhas e não quero que sejam as últimas a aparecerem. 

Penso nos Deuses que forjam as suas 7 espadas acima com que desenharam o visível e o invisível. Sei que se vão recolher quando os ventos chegarem e o mar subir e a população desesperar. Nem toda a magia pode desfazer o que já está feito. Nem toda a infinitude é infinita. Rezará o Homem desesperado, subirei as serras em busca de refúgio enquanto a minha cadela uivará. E faremos todos a mesma pergunta. Porquê?

Enquanto as as florestas não gritarem, enquanto as savanas não gritarem, enquanto os glaciares não gritarem, enquanto os oceanos não gritarem e com eles todos os animais, toda a vegetação, seremos múmias."

Teresa Durães,  7 espadas acima

sexta-feira, 22 de março de 2019

"Fui ao canil para adotar uma cadela. Vi uma. Disseram-me que ninguém a queria, que ia morrer. Era feia, tinha demasiadas manchas, ladrava e largava pelo. Andava triste, não valia a pena estar viva.

Não hesitei e trouxe-a. Uma párida como eu, uma conhecedora dos Deuses das 7 espadas acima, assim refletia o seu olhar. Beijei-a, esfreguei-lhe o pelo, corri com ela, levei-a aos montes e a todos os sítios até que descansamos.

Eu, ela, os pássaros. Ela sorriu, eu sorri. E fomos para casa, a nossa"

7 espadas acima, Teresa Durães 
"Abraço-te intensamente. A noite está no seu término, em breve serás apenas uma recordação.
Deito-me espreitando o teto. Talvez já tenha vivido muitas vidas diferentes e chegou a hora de vestir uma pele. Talvez continue desapegada.

Sei que te esperarei na próxima noite quando o mundo adormecer suavemente. Então, poderemos viver umas horas na confidência das estrelas, no segredo dos animais noturnos escondidos sob o luar, ténue luz guardadora das confidências dos amantes. Tenho tanto para te dizer e tão pouco tempo para partilhar. Queria-te comigo nos raios solares onde poderíamos correr descalços sobre a terra sentido o passado para além da História. Talvez nos encontrássemos num tempo anterior a todos os tempos, antes de todas as coisas, no tempo das espadas forjadas pelos Deuses, 7 espadas acima das colinas, 7 espadas acima dos vales. Agarraríamos as mãos numa dança louca, eu que não gosto de dançar, dançaríamos a dança estonteante das flores cantantes, dos sobreiros e castanheiros. E descansaríamos no cair da noite quando as corujas brancas se preparam para a caçada e lançam os seus gritos de predadores. Seríamos felizes."

7 espadas acima, Teresa Durães

quinta-feira, 21 de março de 2019

Com o objetivo de divulgação da minha obra, resolvi tornar gratuitos os meus dois últimos romances. Assim, na loja kobo.com podem efetuar o download gratuitamente. Boa leitura!

- https://www.kobo.com/pt/pt/ebook/o-encantamento-do-vento












- https://www.kobo.com/pt/pt/ebook/o-outro-lado-do-silencio


quarta-feira, 20 de março de 2019

"Ontem no emprego mandaram-me para um médico. Não sei se foi por verem as minhas mãos sujas de terra se pela minha roupa estraçalhada pelas silvas da noite onde dancei com os pirilampos.
Não era um mas dois. Inundaram-me de perguntas que não quis responder. Mas não aguentei, não aguentei e gritei que acreditava na república, na democracia, no voto, no governo. Acreditava na sociedade e por favor não me deem medicação, não estou louca, estou apta a trabalhar, a apanhar transportes, a pagar impostos, a votar. Serei uma cidadã exemplar mas não me deem medicação."

Teresa Durães, "7 espadas acima"

quinta-feira, 14 de março de 2019

Sim, enquanto sussurro-te, 
enquanto encosto os meus lábios suavemente no teu pescoço 
ouço-os a conspurcar
todos os nossos gestos,
- Beijavam-se desenfreadas
aquelas cabras com o cio. Putas!
Toco-te com gentileza, 
tenho medo que desapareças 
no meio de tanto ódio,
tenho medo do medo que tens.
Dizem, sois livres,
tendes o vosso arco-íris,
a vossa bandeira, 
o casamento.
Não amor, dá-me a mão, 
não chores, 
não, 
não passearemos de mão dada pela rua 
nem apregoarás a nossa união.
Não teremos filhos mas caminharemos
nas vielas secretas de todas as cidades
onde te poderei beijar, respirar e estar.