domingo, 13 de outubro de 2019

[Paula Rego]

Deixaram-me gritar e eu gritei. Deixaram-me amaldiçoar e eu amaldiçoei. Deixaram-me chorar e eu chorei. Nada disso me satisfez e fugi da loucura dos prédios, do betão, do alcatrão e percorri veredas, caminhos errantes, trilhos mal marcados até que me perdi e caí no chão angustiada. Os castanheiros rodearam-me, cercaram-me, não me deixaram sair dali. “O que tens?”, sussurrava o vento na sua voz, “o que andas a fazer?”, murmurava a brisa, “para onde corres sem destino?”, acabaram por perguntar, mas eu na minha angústia não sabia o que dizer. Aos poucos os arbustos aproximaram-se, com o seu aroma tranquilizador sosseguei, os esquilos desceram das suas tocas, os coelhos aproximaram-se e cheiraram-me. “Tu és o inimigo”, declararam e fugiram. “Não, não sei quem sou”, tentei dizer, mas os animais afastaram-se com medo de mim menos as árvores que continuaram imóveis circundando-me. “Quem és e o que procuras?”. “Quem sou?”, pensei ainda mais angustiada, um resto de uma sociedade que não compreendo nem quero, como poderia explicar? “Sou o que procuro,”, disse-lhes num murmúrio, “não sou vento, nem terra, nem fogo e tão pouco água, sou um ente perdido num mundo proibido para mim”. “E o que procuras, então?”, insistiram. “Quero vida, quero noção, chega de razão, chega de solidão, chega de devorar o infinito, esse quero-o num vislumbre só para saber que existe”.

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