terça-feira, 23 de outubro de 2018

Para ti, L.



"Sei que o sonho que tive era mais do que uma mera ilusão - tu estavas lá, à minha espera, como sempres estás. Nas minhas mãos, flores silvestres para te dar. Sempre foste contra as flores aprisionadas num jardim bem cuidado, não passam de mero adorno, sem alma presente.
Como sempre, fiquei calada ao teu lado, respirando apenas o teu odor (tão próprio) que me faz e traz todas as lembranças de nós. Das palavras que te queria dizer, nenhuma saiu. Ficaram envoltas na minha mortalidade tão aquém do tempo que te amo. Limitamo-nos a estar juntos onde fluíam todas as emoções. Juntei pedacinhos de paus, pedrinhas pequenas só para refrear o que te queria dizer. Não sei porque sou assim, sem verbos nem melodias, mãos encolhidas e receios tão antigos. Tu vais muito mais além, a tua sabedoria ainda me inquieta como se eu fosse tão frágil para necessitar sempre do teu amparo. 
Trago-te comigo em todas as viagens do quotidiano, na vela que acendo para que saibas o caminho até mim, no bosque onde nos vemos todas as noites. Nas pedras gigantes onde adormeço nos teus olhos.
Há tantos anos que nos amamos, quantos ainda temos para amar. Envio-te um beijo numa folha perdida. Será mais um recomeço da minha entrega.

Teresa Durães"


in "Três quartos de um amor", Chiado Editora

6 comentários:

  1. Frágeis os cristais
    mais fortes que o seu brilho

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  2. A emoção que paira no mutismo!
    como nús
    um perante o outro
    espanto embaraço de momentos
    infinitos tempos...
    Finitos, que o sangue circula de verdade

    Um naco de excelente qualidade a desvendar a extraordinária beleza da alma humana.
    Parabéns.

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  3. Que belo texto, Teresa! Cheio de sentimento e com muita intensidade emocional.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  4. Sempre as palavras delicadas mas...
    um sentimento de perda. É marcante no que escreves.
    Abç

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