segunda-feira, 27 de maio de 2019


[Almada Negreiros]


O intenso aroma das flores, as vestes negras, o silêncio. Sei que te custa compreender, o teu corpo cresceu, mas há mistérios para além de nós. Pousas a cabeça no meu ombro, nada dizes e abraço-te desejando que fosse possível embalar-te nos meus braços. A morte é estranha, as palavras falham-me, não sei como te reconfortar. Pego na tua mão tentando passar-te todo o amor que nos une. Estás calado e nos teus olhos, a tristeza. Podia dizer-te que precisamos de sentir a dor da perda para renascermos, mas nada digo porque nunca quiseste saber disso.
É mentira, os anos não passam depressa, não cheguei a esta idade num instante apesar de já me falhar a memória em muitas coisas, nunca no que senti, nunca nas vezes em que contigo ri. Posso ter construído um caminho difícil no meio da confusão que são os dias, mas vejo-te sentado, triste, mas homem.  
            O silêncio da igreja impõe-se. Já não precisas de amparo diário, vives muito longe, há tanto tempo que quase estranho a tua presença. Os pássaros voam para longe quando aprendem a voar e assim o quis para ti, mas nada impede que estenda o braço à tua procura.

1 comentário:

  1. "Os pássaros voam para longe quando aprendem a voar". Também nós precisamos que o nosso pensamento voe para não ficarmos tão pegados ao chão…
    Lindo e inspirador o teu texto, Teresa.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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